Picolé de limão ou amor nas redes?
Os dados mostram que estamos idealizando demais e falando de menos sobre o que importa nos dates
Disclaimer: Esse não é um texto romântico. É um conteúdo sobre comportamento baseado em pesquisa, dados e tendências para refletir sobre a forma como estamos nos relacionando.
_
Minhas amigas reclamam da falta de clareza e bom senso dos homens. Meus amigos reclamam da falta de autenticidade das mulheres. Enquanto isso, as pessoas mais velhas e em relacionamentos saudáveis alertam: estamos perdendo a linha nos aplicativos.
Será?
Apesar de não ser a pessoa dos mil dates e nem ter a vida amorosa como top 1 na minha lista de prioridades, eu me interesso muito por esse assunto. Como boa jornalista, tô sempre ouvindo uma história ou lendo sobre o tema. Só que, de tanto fazer isso, percebi que as coisas estão mudando.
Se até meados da pandemia tinha uma galera (grande, por sinal) que só queria transar e usava os apps pra resolver essa questão sem drama, agora as coisas estão mais burocráticas, cheias de propósito e alinhadas à tão sonhada estabilidade que a Geração Z busca para o futuro.
Hoje, seja no Tinder, Bumble, Instagram, LinkedIn (sim, as pessoas flertam por lá também), GymRats, Strava ou qualquer outra rede social, a regra é clara: o match só acontece com quem divide exatamente os mesmos hobbies e objetivos que você.
Não é impressão: as pessoas estão mais detalhistas e criteriosas na hora de conhecer alguém. Da seleção minuciosa de fotos até a descrição sobre as coisas que gostam de fazer e com o que trabalham, as informações são escolhidas a dedo pra garantir que não haverá erro.
Os dates estão demorando mais para acontecer
Apesar de parecer que tá todo mundo usando a internet pra conhecer gente nova, as plataformas de relacionamento estão enfrentando uma verdadeira crise — provocada pela queda no número de usuários pagantes.
Movidos por um misto de fadiga digital + falta de tempo + idealização do outro, todos têm mais filtros, mais letramento pra identificar comportamentos abusivos e menos paciência também. As coisas estão acontecendo mesmo é no campo da mentalização, não da ação. Quer ver só?
O Tinder descobriu que 20% de seus usuários planejam criar vision boards com as características físicas e emocionais que desejam encontrar nos parceiros em 2025. Entre os solteiros entrevistados pela empresa, quase 40% dizem que suas escolhas amorosas serão influenciadas pela astrologia.
(As vezes, acho que estamos indo longe demais e dificultando)
Além de contar com a ajuda dos astros, do tarô do ChatGPT e da opinião dos amigos, quase metade da Geração Z checa se o pretendente participa dos mesmos fandoms e compartilha das mesmas paixões. Se a resposta é negativa, o negócio é ir para o próximo.
Os dados mostram que o grande lance dessa galera é ter previsibilidade e garantir estabilidade. Preocupados com a incerteza do futuro, 95% deles olham de outro jeito pra quem — e como — namorar. Uma em cada quatro mulheres, por exemplo, escolhe antecipar conversas mais sérias sobre tópicos como construção familiar, moradia e vida financeira pra não perder tempo.
E ainda assim, as coisas dão errado
Apesar de todos os recursos disponíveis nos apps (justificáveis principalmente para o público feminino, que corre mais riscos ao se expor e precisa garantir sua segurança física), a coisa não está saindo como o esperado. Mesmo que em níveis (bem) diferentes, estamos todos insatisfeitos de algum jeito. É só sentar numa mesa de bar com os amigos ou abrir o TikTok pra constatar isso.
Mais abertas pra falar sobre o assunto em livros, podcasts, séries e afins, as mulheres buscam saídas — mas também dão risada da própria desgraça. As trends “POV homens” e “Quem casou, casou”, com prints e áudios pra lá de vergonhosos dos ex-namorados, maridos e ficantes, são prova viva disso. Pra elas, o que falta é gentileza, educação e noção.
Enquanto isso, para os homens, a dificuldade está em lidar com a masculinidade inventada e as expectativas que ela gera. À medida que os arquétipos masculinos explodem com a volta das comédias românticas e a ideia de um mocinho alto, forte e bem-sucedido, eles se sentem mais inseguros. Para 1 em cada 3 brasileiros, por exemplo, os estereótipos de beleza e carreira levam as pessoas a fazer suposições erradas sobre seu caráter e intenções.
Conclusão: na hora do vamos ver, quase ninguém se dispõe a falar sobre o que realmente importa — e muita gente sai frustrada de algum jeito. Pra quem é adulto, estamos nos comunicando mal, ein?
Dá para resolver isso?
Como eu sou inimiga dos discursos “não tem homem pra mim no Brasil” e “ninguém presta”, aposto que sim. E deixo aqui meus 10 centavos contribuição sobre o assunto 👇
Conhecer nossos valores inegociáveis é uma luz pra saber o que topamos — ou não — dentro de qualquer tipo de relação. E aqui eu não tô falando sobre lealdade, educação, honestidade e afins. Isso é básico, gente. Todo mundo tem que ter. Eu falo sobre as vontades que podem impactar nossa vida pra sempre, como ter um filho. Isso porque não dá pra viver com alguém por 10 anos se o sonho dessa pessoa é casar e ter uma creche, e você só quer saber de viajar 🫠
(🗣️“Ah, mas a gente pode mudar de ideia.” Claro que pode, todo mundo pode. Mas vai ouvir um Picolé de Limão, podcast da Deia Freitas, pra checar se não são as mulheres que acabam magicamente passando por uma lavagem cerebral e se veem sobrecarregadas com a maternidade solo depois.)
Outra coisa é exigir que a pessoa seja um reflexo seu e cumpra um checklist interminável de coisas toscas. Ter os mesmos gostos e falar sobre os mesmos assuntos não garante nada. Sabe por quê? Porque estamos lidando com seres humanos. Pessoas que têm histórias de vida diferentes, sentem medo, se arrependem, são surpreendidas, agem por impulso e também estão aprendendo.
O que faz um date fluir é o interesse genuíno e a disposição em conhecer o outro. Parar pra ouvir e conversar de igual pra igual, sem jogo, sem performance. É aí que a gente vê a autenticidade e a química da coisa. Não tem segredo.
Ótimo texto! Eu moro em Berlim e por aqui as coisas não são lá muito diferentes. É impressionante o quanto as pessoas tem um checklist de coisas que buscam e acabam não se dando a oportunidade de realmente conhecer o outro. Nesses apps, parece que o outro é uma mercadoria. Se a terapia não estiver em dia, pode fazer muito mal a muitas pessoas.
Nossa, vez ou outra reflito sobre isso, e posso dizer que como usuária de Tinder, a coisa tá feia, e são exatamente essas problematicas que você falou no texto que atrapalham tanto!